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Sobre
como as pessoas somem
É
engraçado, porque tem umas fases que algumas determinadas
pessoas são presenças constantes no dia-a-dia, o dia
todo. Inconcebível sair pra beber sem chamar ípslon
e zê. e assim correm meses a fio. As maiores confidências,
conversas pra contar a vida inteira ao redor de um chopp interminável
e que, de tão bom, nem esquenta como de costume. Até
programas indígenas como acampar no olho do fiofó
roxo com duas latas de feijoada e outra que contém um "mix"
de legumes tornam-se agradabilíssimos. E por "mix"
de legumes entenda pedaços esquisitos de uma batata com antecedentes
criminais, ervilhas judiadas, amassadas e pretas, milhos que outrora
seriam intragáveis... tudo isso numa água de cor duvidosa,
jamais confiável. Mas o acampamento é formidável,
até o mala que toca hits dos anos oitenta em um violão
ordinário e com uma voz de afinação ainda mais
ordinária passa desapercebido.
Mais engraçado ainda é que essas pessoas tão
imprescindíveis desaparecem. quase que invariavelmente.
e aquele barzinho "nosso" se torna obsoleto, aquela música
deliciosa do João Gilberto e aquela coreografia do latino
que se fazia em segredo perdem completamente a graça, no
máximo roubam uns risos aleatórios, uns meneios de
cabeça nada além de desnecessários, também
despertam um saudosismo bobo, uma busca desenfreada, um contato
desinteressado com os amigos em comum pra ficar por dentro, só
pra saber se aquele seu grande amigo conseguiu aprender a andar
de bicicleta, se a tia avó dele ainda padece dos males da
labirintite, se aquele primo divertido "de São Paulo"
continua fumando maconha desenfreadamente, ou se já atingiu
o primeiro milhão antes do trinta anos sendo pastor de igreja
evangélica.
o pior é que tanto esforço sempre acaba se transformando
num cafezinho. sete anos depois da última vez existe aquela
tentativa constrangedora, quase horrenda, de tentar manter o contato,
incontáveis "mas... e aí?" são ditos
repetidamente na esperança de, quem sabe, voltarem juntos
àqueles momentos memoráveis pra, pelo menos, sentir
um cheirinho do que era bom. Mas aquela menina magrela e insípida
agora virou uma pós-graduanda em arquitetura e, mais do que
nunca, conversa com as plantas. só sabe falar de bauhaus
e "do design fantáááástico",
não importa do que seja. os óculos de aros grossos
e pretos são de uma arrogância incalculável
e ela vive pelo Bóris, aquele gato, porque agora ela decidiu
amar gatos e ser amante da rúcula, siriricas e siriricas
em homenagem à soja.
Logo ela, a vedete dos churrascos, que comia até a gordura...
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